“Temer a morte é
um ato de ignorância.”
Sócrates
É
sabido que a morte de Sócrates se deu pelo incômodo que sua postura de retidão
causara às autoridades de Atenas, pois, sua visão filosófica propiciava o
despertar das consciências, sobretudo, dos jovens.
O
tribunal do júri que julgou Sócrates contava com 501 juízes, dois quais 280
votaram a favor e 221 contra sua condenação. Conforme a cultura local, a pequena
diferença de votos conferia ao acusador e ao acusado o direito de retomar a
palavra para propor uma pena. Meleto, o acusador, reivindicou a morte. Diante
da consciência de que mal algum teria feito a outrem, Sócrates não vê razão
para desejar mal a si mesmo. Portanto, se nega a propor alguma sentença contrária
à sentença proposta por Meleto. Sócrates, por sua vez, segue a cultura dos
heróis de seu tempo, que concebem a ideia de que melhor morrer na glória que
viver no infortúnio. Ao recusar o direito de propor uma pena a si mesmo, o
filósofo declara admirar se da quantidade de votos a favor de sua condenação, de
uma vez que nunca havia querido o mal daquela cidade. Ele adverte que não tendo
nada a temer, nem recursos para custear a liberdade, sabe que a morte não lhe será
mal maior que ser expulso da cidade ou viver sobre os grilhões e a custódia de autoridades
menos sábias.
Assim
como os heróis de guerra, Sócrates também preferiu a morte, mas não pelo fato
de preocupações com honras terrestres, e sim, com a certeza da liberdade que
esta poderia ofertar à sua alma. Ele defende a ideia de que melhor demonstrar
fidelidade aos deuses cumprindo sua missão na terra, que passar por sábio sem o
ser, pois, o fato de temer o que se desconhece termina por denotar ignorância.
Em
virtude da negação de recorrer da sentença de morte, Sócrates se desculpa junto
aos juízes que votaram a favor de sua absolvição. Ele se utiliza do argumento
de que sempre agira por inspiração dos deuses, portanto, certamente, a sentença
atribuída por Meleto lhe seria o melhor naquele momento. Pois, se com a morte o
destino o levasse ao nada, ele nada sentiria, e, se o levasse a algum lugar,
certamente, viveria uma enorme felicidade, de uma vez que lhe seria possível o
reencontro com aqueles que lhe antecederam, os quais lhe poderiam propiciar a
continuidade na busca do conhecimento.
Para
amenizar a decepção destes juízes Sócrates os deixam a par de que os deuses
cuidam do destino dos bons e dos maus, e com certeza, ocuparia bom lugar. Pede
a estes que quando seus filhos crescessem lhes fossem transmitidos os valores que
ele os havia ensinado, a fins de que os meninos criados na ausência do pai, não
fossem corrompidos e não permitissem que o “ter” suplantasse o “ser”. Caso isso
viesse acontecer, ele já teria recebido a justiça destes. Despede-se alegando
que deveriam seguir seus caminhos, ele rumo à morte e os juízes rumo à vida,
caminhos os quais só os deuses poderiam saber qual o melhor. Entendo que o fato
de Sócrates ter se negado a contrapor a sentença de morte a ele imputada, não
represente um ato de morte voluntária, a qual ele demonstra ser contra.
Ao contrário dos heróis de guerra que viam na
morte voluntária a oportunidade de se perpetuarem na memória do porvir,
Sócrates enxergou em sua condenação a oportunidade de sair da vida na carne
para a vida com mais liberdade na busca da verdade, no mundo o qual Platão
viria denominar “O mundo das ideias”, onde segundo Sócrates e Platão, reside a
realidade.